Este ano eu completo 30 invernos (não são primaveras, pois nasci em julho). Os que já passaram por essa fase sabem que ela vem recheada de mudanças, tanto físicas (já me chamam de Tia ou Senhora na rua!!!), como comportamentais, e com isso vêm os questionamentos.

Após a miscelânea de emoções vividas nos últimos anos, resolvi tirar um tempo para mim. Quero vivenciar situações imprevistas e redescobrir a Flávia, que por vezes vinha se escorando em personagens circunstanciais.

Obtive a aprovação do meu pedido de licença sem vencimentos do trabalho, por um período de um ano. Só faltava isso para começar o meu planejamento de transformar minhas economias em passagens, albergues, museus, paisagens, espiritualidade, comidas, encontros e desencontros.

Dois mil e oito para mim vai ser o ano da cigarra! – Isso não é horóscopo Chinês, Maia ou Checheno; é o resgate da Fábula de La Fontaine (mais conhecida como Fábula da cigarra e da formiga), mas com uma inversão de sua moral: sim, paremos para cantar e apreciar a primavera, e desfrutemos o ócio!!!!!

Meu caminho

25 de junho de 2008

Unhas

Deitada sobre um gramado, em um instante de relaxamento, observei atentamente meus pés. Apesar de banhar-me diariamente nas frias e revitalizantes águas que escorrem nas montanhas de Abelgas de Luna, percebi que eles estavam bem encardidos. As unhas dos meus primeiros dedos do pé (halux) eram as que tinham o pior aspecto. Ambas apresentavam uma depressão no sentido horizontal que, devido ao acúmulo de terra, apareciam em visível destaque. Primeiramente senti desgosto ao vê-las assim.

Essas deformidades eram cicatrizes, marcas do início de crescimento, meio desajeitado, dessas unhas. O par anterior havia sido perdido nas montanhas do Kilimanjaro, Tanzânia, onde não percebi que, mesmo vestindo botas que pareciam confortáveis e seguras aos meus pés, os dedos estavam sob pressão e em constante colisão com as pontas dos calçados. Tinham sido seis dias de caminhadas e, no final, minhas unhas estavam roxas, em consequência do sangue ali derramado e acumulado.

Eu intuía que estava prestes a perdê-las, porém não acreditava que isso fosse acontecer. Na verdade, elas já estavam mortas e não adiantava meu esforço em tratá-las, pois fatalmente cairiam.

Elas finalmente se descolaram algumas semanas depois. Em decorrência da dor e do medo, não tinha coragem de apoiar os pés com firmeza no chão ao caminhar. Para complicar, a estética dos dedos sem unhas também me envergonhava e então eu inventava todos os dias novos curativos que escondiam o meu embaraço.

Mesmo depois de um tempo passado, quando já vivenciava o crescimento dessas novas unhas, ainda estava sem firmeza na passada. Naquele momento não percebia que as plantas dos pés estavam sãs e que se confiasse em apoiá-las integralmente no solo, poderia até mesmo sair bailando.

O período em que caíram as unhas também foi marcado por outra significante perda, praticamente uma amputação. Dolorida e ansiosa, eu contabilizava o tempo que levaria à cura, observando os ciclos lunares. Acho que isso foi devido à linda lua cheia que contemplei nas montanhas africanas e às outras seguintes que acompanhei com os olhos em súplica. Foram tantas as luas cheias que se passaram, que perdi a conta! Contudo as feridas ainda não estavam totalmente cicatrizadas e às vezes rompiam-se em violentas hemorragias.

Sob aquele sol que iluminava e entorpecia, obtive um novo olhar sobre a sujeira incrustada naqueles que eram, simplesmente, apêndices queratinosos. Dei-me conta de que as cicatrizes já estavam nas extremidades dessas unhas, quase no ponto de serem cortadas. Por coincidência, as dores relativas a outras perdas também já estavam praticamente sanadas. Concluí, então, que o tempo da minha cura foi exatamente o tempo da formação de um novo par de unhas!

Estar 24 horas por dia com os pés conectados no chão durante o Rainbow me deu equilíbrio para dançar nos terrenos acidentados e me fez perceber que afundar os pés na lama para depois tirá-los pode ser muito prazeroso!

Namastê.

13 comentários:

Dea Conti disse...

Só momentos de paz como os que você está vivendo podem levar a reflexões dessa natureza. Corte suas unhas de uma vez, minha filha, e deixe que as novas vinguem inteiras, completas, sem as máculas que tanto a fizeram sofrer.

beijos mil
mama

Anônimo disse...

Unhas são caprichos dos dedos, Flávia. Pequenas, curtas, feias ou belas, apenas caprichos. Sujá-las para sentir uma limpeza na alma é algo um tanto mágico e misterioso. Corte-as e elas crescerão; suje-as e elas te darão a essência da vida. Adorei o seu texto!

Namastê!

Anônimo disse...

Por terras de Espanha ( as fotos são magnificas )vamos consigo .Apreciamos seus escritos.
Beijos da Gena e do Vitor

Lau_roots disse...

Texto lindíssimo. Espero que as fichas que estão caindo agora lhe tragam lembranças do que te disse outrora "passa...tudo passa, e depois viram lembranças, e depois apenas esquecimentos"
três meses? nada...muito antes
Você brilha, e o bom é que podemos ver daqui
te amo, se cuida

Prem Madhuri disse...

Pensando até além, olha só quantos pares mais de unhas você ainda têm para te trazerem ciclos novos. Com a vantagem de agora o aprendizado deste par ser um guia para que os ciclos dos próximos pares sejam tão festivos como pintá-las de cor púrpura e bolinhas coloridas.
Amor no coração, do meu para o seu.
(Ah, o comentário excluído foi meu. Havia erro gramatical!)

Unknown disse...

Belo texto.
Ju me mostrou seu blog aqui e eu mergulhei com voce nessa viagem. Pra mim um passeio de pouco mais de meia hora... pouco, mas gratificante. Interessante forma de lhe encontrar mundo afora e saber como você está. Pretendo fazer outras vezes...
Aproveite cigarra kkkk

E lembre-se que as coisas (e pessoas, principalmente) realmente importantes são aquelas que estão dentro da gente. Estarão conosco onde quer que estejamos.
Cheiro grande

Douglas

Ana Conti disse...

Adorei, não apenas o texto, mas a profundidade, a beleza e a serenidade que demonstram. Estou começando a perceber que partiu do Brasil uma menina e que voltará uma mulher. E que mulher.
Super beijos e se cuida.

A propósito, te vimos no programa Terra da gente hoje. A vó gravou. Vc no S. Francisco. Adoramos.

Unknown disse...

KKKKKKKK Unhas, o que são as unhas?
Beijão

Anônimo disse...

Que legal o seu blog. Hoje é seu aniversário e não sei se estou na página certa mas quero que vc tenha o melhor niver da sua vida. Muito legal suas fotos, a galerinha, os lugares magníficos, as músicas, tudo me enche de um mundo novo, desconhecido que vc desbrava e apresenta.
Beijo beijo beijo e siga na paz!
jags guerreira from Goiás

Anônimo disse...

Jagunça do mundo:
Mostra pra que veio!
jags goiana

Anônimo disse...

Apesar de mulher,será sempre minha menina.Lembra quando eu lhe cortava as unhas,era uma delícia.
Minha querida nem imagina a alegria sentida por mim ao ver que,em seus poucos anos,já existe folclore.Você sabe do que estou falando e,a propósito,as plantinhas estão vivas.
Beijão enorme dessa velha que te ama.
Vó Maqaqa

Dea Conti disse...

Ei, que preguiçosa, hein?
Que tal atualizar esse seu blog?!

Anônimo disse...

Flavia,
Sou 'amiga' (net) do Helder de Portugal, ele me contou 'brevemente' sobre você. Eu não a conheço (infelizmente, quem sabe, um dia...), e te digo, você é uma mulher poderosissima, dá para perceber nitidamente que você não sabe 'a força que tem aí dentro'...A
Acho que isso virá em conjunto com outras coisas, tudo no seu tempo, conforme essa sua viagem 'de auto conhecimento' que está fazendo.
Chegará uma hora, em que todas suas perguntas em questão, principalmente aquelas mais doídas,que te torturam todos os dias, serão respondidas definitivamente. Você é muito corajosa, mulher... Não conheço ninguém que teve 'peito' para seguir adiante, um caminho seu, que era e é para ser feito.
Tenho certeza que um homem para te merecer, tem que ter 'pedalado' muuuuuuuuuuito na vida!(não sei se entende essa expressão, acho que se não ouviu antes, entendeu o que quer dizer).
Se me der a honra, gostaria de manter contato com você.
Segue teu caminho,menina... continue assim. Na hora certa, volte para 'casa'.
Um beijo,
Joana.