Este ano eu completo 30 invernos (não são primaveras, pois nasci em julho). Os que já passaram por essa fase sabem que ela vem recheada de mudanças, tanto físicas (já me chamam de Tia ou Senhora na rua!!!), como comportamentais, e com isso vêm os questionamentos.

Após a miscelânea de emoções vividas nos últimos anos, resolvi tirar um tempo para mim. Quero vivenciar situações imprevistas e redescobrir a Flávia, que por vezes vinha se escorando em personagens circunstanciais.

Obtive a aprovação do meu pedido de licença sem vencimentos do trabalho, por um período de um ano. Só faltava isso para começar o meu planejamento de transformar minhas economias em passagens, albergues, museus, paisagens, espiritualidade, comidas, encontros e desencontros.

Dois mil e oito para mim vai ser o ano da cigarra! – Isso não é horóscopo Chinês, Maia ou Checheno; é o resgate da Fábula de La Fontaine (mais conhecida como Fábula da cigarra e da formiga), mas com uma inversão de sua moral: sim, paremos para cantar e apreciar a primavera, e desfrutemos o ócio!!!!!

Meu caminho

29 de outubro de 2008

Cerny Dull

Já estava no quarto mês de viagem e necessitava de um momento de descanso da rotina mochileira e de uma parada compulsória para dar repouso ao meu pé direito, que há semanas se mantinha inflamado. Foi pelo site da rede de albergues da juventude Hosteling International que encontrei um local muito econômico e confortável, numa região de montanhas no norte da República Checa, em Cerny Dull. Contudo, vi que se tratava de um hotel, que disponibilizava um quarto privativo, com um farto café da manhã, internet wifi, piscina, sauna, ofurô e salão de ginástica, além de serviços de massagem com preços muito acessíveis. Esse “albergue” foi um achado acima das minhas expectativas e passei a chamá-lo de “meu SPA”, o que estava perfeito, pois era lá que também teria que eliminar alguns dos quilinhos ganhos na Bélgica, Praga e Cracóvia.

Aproveitei também esse tempo e essa estrutura para cumprir uma dívida que tinha com o meu chefe, que era escrever um artigo científico sobre a “Dinâmica populacional da garça-vaqueira no Arquipélago de Fernando de Noronha”. E digo que foi interessante ter um novo contato com a ornitologia, depois de 4 meses de afastamento. Apesar de ter sido difícil pegar o ritmo nos primeiros 2 dias, em pouco tempo estava concentrada e redescobrindo o prazer da minha profissão – o que contrastou com o estado de apatia que me encontrava em relação ao trabalho pouco antes de sair para essa viagem.

Nesse período que estive em Cerny Dull estava introspectiva e minha socialização se limitava às formalidades com os funcionários do hotel e do restaurante. Apesar de a cabeça estar bem ocupada com a ciência, alguns pensamentos e emoções relativos a antigas feridas voltaram a aparecer. Primeiramente em sonhos, depois, também quando estava acordada. Eram pendências que eu considerava resolvidas, mas que parecem terem sido escondidas em mim, como quando se varrem sujeiras para de baixo de um tapete. O fato de eu ter saído da rotina de vigem, onde há novidades constantes, e ter entrado em um momento de silêncio, deve ter feito com que essas emoções pudessem vir à tona novamente.

Minha irmã Cláudia sugeriu que esses sentimentos não tinham mais que ser tratados por meio da racionalidade, já que meu discurso era maduro e coerente sem, todavia, diminuir o meu tormento. Por sua experiência pessoal disse que eu deveria, de alguma maneira, dar vazão às emoções ruins que estavam guardadas, mesmo que de forma violenta, como por meio de choro, grito, xingamentos para o ar ou socos em uma almofada, para depois seguir por um instante de paz e silêncio, em meditação.

Então, no dia que estava emocionalmente mais sensível, dei uma folga aos trabalhos científicos e investi no trabalho mental-espiritual, posso assim dizer. Sai para a floresta, onde realizaria minha sessão de expurgo, mas não sem antes pegar meus óculos escuros, considerando a possibilidade de ficar com olhos vermelhos e rosto inchado. Esse item seria essencial na hora do meu retorno ao hotel, já que seus funcionários estavam sempre a me acompanhar com olhares de curiosidade: “o que faz essa mulher do Brasil, tão calada e solitária, nessa estação de esqui fora de temporada, nos confins interioranos da República Checa?”. Não queria dar motivos para alimentar mais ainda a imaginação deles sobre mim.

Naquela tarde me despi de pudores e senso crítico, e permiti expressar as emoções guardadas sem julgá-las. Não convém detalhar, pois foi algo meio louco, sem roteiro, tudo muito experimental e intuitivo, sendo uma mescla de práticas psicoterapêuticas e místicas conhecidas por mim, junto com o que minha irmã sugeriu e o que ia inventando na hora. Há gente que pode estar me julgando como levemente insana – e estava mesmo – porém parece que emoções pendentes foram resolvidas, ou mitigadas, pois sinto que não as carrego mais comigo. É possível que tenham ficado alguns resíduos e que, num instante futuro, eles venham novamente à tona. Mas o que tenho percebido é que esses processos de limpeza são mesmo cíclicos, com períodos de calmarias e ressacas. Contudo, os momentos de paz têm sido cada vez mais longos e as ressacas cada vez mais curtas e amenas. Por isso busco para que um dia me encontre invariavelmente boiando em uma piscina e, quiçá, portando um coctel de frutas na mão!

Foram ao todo 7 dias em Cerny Dull, condicionados à finalização do artigo científico. Porém, já nos últimos dias eu estava bastante impaciente, com o desejo de retornar às minhas peregrinações. Ainda não tinha idéia para onde ir: Viena ou Budapeste? No sexto dia acordei com uma idéia fixa na cabeça: e por que não Berlim? Mudaria completamente o itinerário antes planejado, que seria seguir para o sul para depois entrar na Itália. Entretanto, inexplicavelmente, minha bússola interna apontava para o sentido contrário. Como venho respeitado cada vez mais minha intuição, deixei que ela me levasse para a capital da Alemanha.




7 comentários:

Ana Conti disse...

Sabe Fafa, toda vez que não deixei minha intuição me guiar, de alguma forma, acabei me arrependendo.
Hoje tento ouvi-la sempre. Prestar mesmo a atenção pq na real, eu acho que não é intuição, mas sim nosso anjo que sussurra alguma coisa para nosso bem.
Beijão. Te amo de paixão.

Ana Conti disse...

Ah! esqueci. Essa cidadezinha deve ser mesmo muito agradável. Adorei o jeinho dela.
Bjos

Anônimo disse...

E é mesmo, esse recanto é muito agradável .Parece que uma vez mais,sua intuição a conduziu a um bom porto .E com bons resultados.Força,respire bem fundo e siga em frente .

Prem Madhuri disse...

Abençoadas são as almofadas, os socos ao vento, as esperneadas ao chão!!! Fazem milagres.
Té logo loguinhoooooooo

Anônimo disse...

Flavinha, quase me perco nesse cipoal do seu caminho. E que delícia é se perder nele! Saudades de ti. Muita!

beijo e carinho

Dea Conti disse...

A coisa mais difícil nesse blog tem sido mantê-lo atualizado, ainda que parcialmente. O problema é a comunicação, que às vezes se torna precária. Ao menos o mapa tento deixá-lo o mais perto do real percurso da Flávia, ainda que de tempos em tempos eu tenha de refazê-lo, como foi desta vez, em que pensei que ela já estivesse em Istambul...

Anônimo disse...

Oi, mãe da Flávia! Admiro o seu trabalho e agradeço muito por fazê-lo ,pois senão, como saberíamos da nossa amiga? Os erros são circunstanciais.
Um grande abraço.