Este ano eu completo 30 invernos (não são primaveras, pois nasci em julho). Os que já passaram por essa fase sabem que ela vem recheada de mudanças, tanto físicas (já me chamam de Tia ou Senhora na rua!!!), como comportamentais, e com isso vêm os questionamentos.

Após a miscelânea de emoções vividas nos últimos anos, resolvi tirar um tempo para mim. Quero vivenciar situações imprevistas e redescobrir a Flávia, que por vezes vinha se escorando em personagens circunstanciais.

Obtive a aprovação do meu pedido de licença sem vencimentos do trabalho, por um período de um ano. Só faltava isso para começar o meu planejamento de transformar minhas economias em passagens, albergues, museus, paisagens, espiritualidade, comidas, encontros e desencontros.

Dois mil e oito para mim vai ser o ano da cigarra! – Isso não é horóscopo Chinês, Maia ou Checheno; é o resgate da Fábula de La Fontaine (mais conhecida como Fábula da cigarra e da formiga), mas com uma inversão de sua moral: sim, paremos para cantar e apreciar a primavera, e desfrutemos o ócio!!!!!

Meu caminho

21 de setembro de 2008

Vivências em Moscou

Após 5 dias em São Petesburgo era hora de embarcarmos (Marco e eu) para Moscou. Cumprindo os padrões russos, a compra de passagens de trem diretamente nos guichês da estação ferroviária também não costuma ser uma das tarefas mais fáceis. Por essa razão, mesmo alguns turistas independentes buscam intermediários, como hotéis e agências turísticas, pagando uma taxa extra pelo serviço.

Não sabíamos dessa dificuldade e fomos pessoalmente à estação de trem Moskoviskiy, em São Petesburgo. Esperávamos gastar, aproximadamente, meia hora nessa tarefa, mas passamos quase duas horas no local. Primeiramente, porque o prédio é muito bonito e ficamos um tempo à apreciá-lo e fotografá-lo. Depois, quando partimos para a compra dos bilhetes, não encontramos facilmente os guichês de venda.

Seguimos diferentes instruções equivocadas. Por fim, encontramos uma fila na qual, mesmo com dúvidas, entramos. Fomos atendidos por uma senhora, que imediatamente nos pareceu ser do tipo não muito simpático. Como ela não falava nada do inglês e nós tão pouco do russo, apresentamos um papel contendo os nomes de nossos destinos e a hora aproximada que queríamos embarcar. Tentamos complementar com sinais, mas a tal mulher não se mostrou nem um pouco paciente: fez um movimento negativo com a cabeça e sem o menor pudor nos escorraçou da fila. Foi tão grande sua brutalidade e indisponibilidade conosco que, após segundos atônitos (… “O silêncio que procede o esporro”), só nos restou cair em gargalhadas. Na verdade, já havíamos passado por situações semelhantes, mas em menor escala.

Os russos me pareceram bem distintos em relação a maneira de ser do brasileiro. Costumam ser muito diretos e, às vezes, rudes. A cada vez que era tratada de maneira ríspida sentia-me magoada, reação que não conseguia evitar. Zaid me disse que quando se aprende a falar russo a brutalidade diminui. Considera que, sendo eles descendentes de uma sociedade que outrora foi tão poderosa, não gostam de se “submeter” a uma língua estrangeira, ainda mais ao inglês. Pode até fazer sentido, mas observei que quando eles se relacionam entre si, o tratamento também oscila entre agressividades e gentilezas, e tudo isso dentro de uma mesma conversa. Parece que já estão imunes a essa forma de tratamento mútuo e não sobrevalorizam um ato estúpido ou de má vontade.

Claro que esse comentário se trata de uma generalização, de um padrão frequentemente observado, tanto em relação ao esteriótipo brasileiro, quanto ao russo. Também encontramos pessoas muito prestativas e gentis em nosso caminho. Entre elas estava um casal que se ofereceu a ajudar-nos, mesmo falando quase nada de inglês, mas apresentando disposição de entender e ser entendido com as ferramentas que possuíamos. Após falarem com a senhora do guichê, nos disseram que estávamos em um setor errado e nos levaram até o local onde encontraríamos as passagens que buscávamos. Como a fila estava grande, não permaneceram, mas escreveram um bilhete que serviria como uma “cola” a ser apresentada na cabine. Com esse pedaço de papel, mais a ajuda de outros simpáticos jovens russos que estavam também na fila, conseguimos nosso desejados bilhetes.

Partimos num trem noturno, em um tipo de cabine mais popular, com 2 beliches. O trem estava lotado, a temperatura em seu interior era muito quente e as janelas estavam lacradas. O Marco não teve dúvida, subiu em uma cama superior, tomou logo um comprimido de Dramim e em 10 minutos já estava abraçado a Morfeu. Eu fiquei na cama de baixo, quase que em estado de torpor, para conseguir suportar aquele calor. Em nossa cabine estava também um rapaz russo que vivia em Moscou. Era meio esquisito, mas gente boa. Tivemos sorte por não cair com alguém bêbado, exalando álcool, como muitos outros presentes no trem.

Na Rússia bebe-se muito. É notavel o hábito de se caminhar nas ruas, principalmente após o horário comercial, portando uma garrafa de cerveja na mão. É quase uma unanimidade e há tanto homens, como mulheres. No entanto, beber na rua é ilegal e, a priori, pode-se ser multado por isso, mas a cerveja é tão leve se comparada à vodka (bebida nacional), que ela é tolerada pelos policiais. Já os destilados são consumidos no interior dos bares, que por certo devem estar constantemente cheios, pela quantidade de gente alcoolizada que se vê nas ruas e o perfume marcante de vodka nos metrôs.

No trem conversei um pouco com o passageiro ao lado e depois caí no sono. Algumas poucas horas depois acordei. Estava claro e pela janela podia se ver a floresta de Conífera. Verde, vigorosa, alta, contínua e linda! Quilômetros e quilômetros de floresta que, de quando em quando, era interrompida por um pequeno vilarejo. Fiquei muito emocionada ao vê-la e queria ter acordado meu amigo geógrafo, mas ele estava dopado e desmaiado. Passei então àquele estado intermitente de sono, onde tive a oportunidade de obter recortes da evolução da paisagem a cada hora que despertava. Mais perto de Moscou a vegetação se tornou mais baixa e diversa, com outras árvores além das coníferas.

Quando chegamos em Moscou vimos que nosso albergue era um lar de família. Na verdade, uma agência que gerencia 2 albergues na mesma rua, aluga esse apartamento para encaminhar hóspedes sobressalentes na alta estação. Lá vive uma senhora e seu filho, além de uma outra família de 3 pessoas. São três quartos, sendo um ocupado por essa família e os outros dois utilizados pelo albergue. O filho tem uma cama cativa em um dos quartos do albergue, enquanto sua mãe dorme no quarto ou na cozinha (em uma pequena cama de armar), dependendo da quantidade de hóspedes no apartamento.

De imediato gostamos muito de lá, pois essa mesma senhora era quem se responsabilizava pela limpeza, impecável. Também nos afeiçoamos muito a ela, pois era informal e muito risonha. Apesar de não dizer uma palavra em inglês, conseguimos nos comunicar perfeitamente, sempre as custas de muita mímica e risadas.

Foi um susto quando na noite do primeiro dia, ao chegar da rua, disseram que tínhamos que nos mudar para o albergue principal. O problema era que eu havia me confundido e feito reservas diferentes para mim e para o Marco: ele tinha uma cama reservada neste apartamento e eu no albergue principal. Nos transferimos e passamos uma noite terrível, pois este outro (o tal albergue) era sujo, quente e apertado. Ainda, no quarto que ficamos havia 8 camas, sendo que as outras 6 estavam ocupadas por homens, todos feios, suados e dormindo de cuecas, sem lençol (ninguém merece!!!). No dia seguinte insistimos que queríamos voltar para o apartamentdo daquela senhora e, mais tarde, nossa babuska veio pessoalmente nos buscar, com um sorriso orgulhoso no rosto.

O principal interesse que tínhamos em Moscou era a visitar os emblemáticos e grandiosos Kremlin e Praça Vermelha. Acordamos bem cedo para estarmos postos na fila do mausoléu de Lênin. Este é um prédio de mármore no centro da Praça Vermelha, onde dentro descansa o corpo embalsamado de Lênin. No entorno do prédio estão depositadas cinzas de figuras importantes da revolução russa e do período socialista (entre elas as de Stalin), havendo também placas, estátuas e bustos em sua homenagem.

Após aproximadamente uma hora de fila, chegou a nossa vez de ver o grande líder da Revolução de 1917. Descemos as escadas do prédio de mármore, entrando em um ambiente cada vez mais gélido, silencioso e escuro, havendo apenas uma iluminação fraca de cor vermelha. Depois passamos brevemente em uma sala onde está o corpo preservado. Esse é o único momento que se tem com Lênin, pois se diminuir o ritmo da passada um dos guardas vai ordenar para que continue andando. Tirar fotos no local é absolutamente proibido. Lá me senti de uma forma estranha, influenciada pelo clima macrabo do local, pelo olhar opressivo dos guardas e pelo sentimento de respeito a uma das grandes figuras de nossa história moderna, mas que ali mais se parecia a um boneco de cera. De qualquer forma valeu a pena ir. O Marco foi até duas vezes, uma sem óculos e a segunda com óculos, onde pôde se certificar que aquele era um corpo humano de verdade.

Depois visitamos e tiramos muitas fotos de outros pontos fantásticos na Praça Vermelha, como a famosa e colorida Catedral de São Basílio e a Catedral Kazan, onde assistimos parte de uma missa ortodoxa. Entramos no interior do Kremlin, onde vimos de longe os edifícios admnistrativos, e passamos por igrejas, museus e palácios. Estivemos acompanhados de um casal de brasileiros que conhecemos na praça, mas no dia seguinte já partiriam para a jornada da transiberiana.

Além dos muros vermelhos desse complexo, Moscou também pareceu ser uma cidade muito interessante. Essa metrópole, com aproximadamente 9 milhões de habitantes, é marcada por contradições, apresentando diversos símbolos do período socialista e uma enxurrada de elementos que fazem relembrar que hoje trata-se de uma economia de mercado. Há uma grande poluição visual, com enormes painéis de propaganda e letreiros luminosos espalhados pela cidade, e também atmosférica, que dá um caráter cinza e denso à cidade. Ao mesmo tempo, a cidade mantém locais belos e interessantes, como áreas verdes, esculturas ao ar livre, prédios históricos, cadetrais ortodoxas, estações de metrô e as paisagens ao longo do Rio Moskva. Entre elas a mais impressionante é a Catedral de Cristo o Salvador, com suas enormes cúpulas douradas, e que tem em sua frente uma ponte sobre o Rio Moskva, onde se pode ter uma ótima vista da Praça Vermelha e do Kremlin.

Ficamos 5 dias na cidade e passeamos bastante. Por suas contradições e pela característica de seu povo, havia momentos que a adorávamos e outros que a odiávamos. Mas no balanço geral valeu muito a pena ter ido a esse país, onde ainda planejo voltar, mas para fazer a rota de trem Transiberiana, de Moscou a Pequim.

Termino fazendo um comentário deselegante (não pude evitá-lo!) e já peço desculpas antecipadas àqueles que se incomodarem com isso, mas outro ponto de destaque em Moscou (também em São Petesburgo) é sua sociedade desigual! E não estou me referindo aos extremos, marcados pela presença de limosines e outros carrões em frente às casas de jogos, e de senhoras sexagenárias pedindo esmolas na rua. Esse é um assunto muito complexo e eu nem saberia abordá-lo aqui com a profundidade necessária. Estou falando, isso sim, da relação mulheres bonitas versus homens feios que se vê nas ruas. As russas são realmente lindas, umas bonequinhas, e algumas impressionam de tão simétricas e perfeitas. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo dos homens, que em momento algum encantaram os meus olhos. Para mim esse aspecto chamou a atenção, por sua desproporcionalidade. Claro que existe aquela máxima que gosto não se discute, mas sei não…, este pareceu ser um problema tão intrínsico e crônico quem nem revolução pode dar jeito. KKKKKKKKKKKKK

13 comentários:

Anônimo disse...

Magnifica descrição da "vivencia/ambiente" de uma cidade muito especial .Passando pelas situações,pelos ambientes que descreve,eu não teria tido essa capacidade .A Fla descreve com calma,com profundidade,mesmo que não pareça,mas que nos leva fácilmente a deduzir tudo o mais .Os contrastes,as semelhanças que tem observado e vivido por todos esses países por onde tem passado/vivido vão " enriquecê-la" por toda a vida ; " é um saber de experiencia feito " ,que vai permanecer .Continuação de boa jornada .Parabens mulher corajosa .

Dea Conti disse...

Tive as mesmas impressões dos primos portugueses: a gente se sente passando pelas mesmas situações e fica aliviada quando elas são superadas. Tenho certeza que terei outra filha na volta, mais ofrte e interessante.

Fafá, a próxima parada, a Itália, será moleza depois dessas experiências.

beijos, filhota

Anônimo disse...

EMOCIONANTE! Essa é a palavra que resume essa sua viagem, Flávia. Você é mesmo danada! Sempre te achei diferente do mulherio que conheço, mas agora sei que além dessa bela, charmosa e inteligente mulher, você é... do perú! Desculpe-me, menina, mas não me occoreu palavra que definisse melhor esse mulherão que é você.

beijão com muito tempero

Dea Conti disse...

É bem verdade que lugares bonitos proporcionam fotos bonitas. Plitvice National Park é um desbunde, um paraíso, e suas fotos reproduziram esse paraíso com requintes! Lindíssimas fotos, filhota!!!

Dea Conti disse...

Ah! esqueci de comentar aquela foto impressionista: de tirar o chapéu!

Prem Madhuri disse...

Bom, agora vai para Itália, né?
Vai compensar com os belos homens que dizem tem por lá.

Até a Ásia, querida hermana.

Dea Conti disse...

Essa foi a resposta do Sérgio, depois que enviei o link do seu blog para ele:

oi Dea, que demais...há quanto tempo ela já está viajando e quanto mais ? me conta: quanto de grana ela imaginou gastar, em quanto tempo e quantos lugares ? foi sozinha ? e quando volta ? bem, me conta só para eu entender bem. já sou fã dela! o texto é MUITO bem escrito! ela deveria ser jornalista. a Flávia está de parabéns! figas e figas pelo sucesso da viagem dela! vai ser!

me conta as novas,
bjs, sergio

cigarra disse...

Obrigada pelo carinho, galera!!!
Ja estou com o proximo post no forno, fiquem atentos.
Que bom que gostam das fotos tb, estou feliz com a minha perfomance, considerando o tempo de estrada...
Cau, estou a sua espera.
E quanto a ser jornalista, lembra que era uma profissao que desejei tb?
Se for para trabalahr em diarios ou guias de viagem, ate pensaria em mudar de profissao. hehehe
beijao Fla

Raquel disse...

Essa mudança nao seria dificil, hein flá?!? Pense com carinho, quem sabe dá pra conciliar?!?
Estive aqui pensando com meus botões que também teria gostado da Rússia. Será meu jeitinho brucutu kkkk?
só agora vi o qto to atrasada na vista pela fotos... deixa eu correr!!!)
Grde bj.

Anônimo disse...

Oi Flavita,
Continuo a acompanhar teus relatos. Gosto da forma como escreves e...também tenho essa impressão das russas e dos russos, essa que referes no fim do post;-) Estás na Croácia agora, não é? Dizem que é lindooo. Aproveita. Nós vamos para a China no dia 18/10, daqui a 16 dias. Estou em pulgas.

beijos,
Sofia (tua prima de Bruxelas)

cigarra disse...

Raquel, tenho certeza que os brucutus de la nao sao o seu tipo! Mas de qualquer forma vale a visita a terrinha, pois la tem atracoes interessantissimas para visitar.
Ai, ai Sofia, que delicia ir para a China. Esse e um sonho meu que vai ficar para uma proxima jornada. Depois voce me passa as dicas, que eu te passo as dicas da bela Croacia.
beijao Fla

Unknown disse...

É engraçado, como sem conhecer, fazemos uma figura de pessoas e lugares. Principalmente os mais exóticos. E sempre achei que a Moscou é um lugar assim. Exótico, mas também frio. Não na temperatura ambiente, mas nos modos das pessoas. Deve ser porque são brucutus que habitam a cidade. hehehehehehe
As fotos são lindas, mas não é o local que você já foi que mais me impressionou não.
Vamos que vamos, tenho certeza que irei com você, viajando assim de pertinho em locais mais pitorescos e aconchegante.
Beijos

Unknown disse...

Flávia, minha querida, lendo o seu relato sobre Moscou pude reviver dois momento marcantes (um descrito por vc e outro não): da noite que passamos naquele albergue em Moscou, do calor e da rapaziada KKK é para ser, quase, esquecido;e do nossa café da manha na fila para ver o Lenin: foi demais!!!!. As fotos estão ótimas.
beijão