Este ano eu completo 30 invernos (não são primaveras, pois nasci em julho). Os que já passaram por essa fase sabem que ela vem recheada de mudanças, tanto físicas (já me chamam de Tia ou Senhora na rua!!!), como comportamentais, e com isso vêm os questionamentos.

Após a miscelânea de emoções vividas nos últimos anos, resolvi tirar um tempo para mim. Quero vivenciar situações imprevistas e redescobrir a Flávia, que por vezes vinha se escorando em personagens circunstanciais.

Obtive a aprovação do meu pedido de licença sem vencimentos do trabalho, por um período de um ano. Só faltava isso para começar o meu planejamento de transformar minhas economias em passagens, albergues, museus, paisagens, espiritualidade, comidas, encontros e desencontros.

Dois mil e oito para mim vai ser o ano da cigarra! – Isso não é horóscopo Chinês, Maia ou Checheno; é o resgate da Fábula de La Fontaine (mais conhecida como Fábula da cigarra e da formiga), mas com uma inversão de sua moral: sim, paremos para cantar e apreciar a primavera, e desfrutemos o ócio!!!!!

Meu caminho

30 de maio de 2008

O Alentejo

Pontualmente como previsto nos bilhetes, subimos no trem às 14:10 em direção a Évora, na Região do Alentejo. Foram quase duas horas de viagem e, pasmem, não pisquei os olhos por um só minuto. Caso raro, pois os que me conhecem bem sabem que qualquer balanço dentro de algo motorizado tem para mim o efeito de uma canção de ninar, mas neste dia estava em alerta.

No caminho observei atentamente uma extensa planície rural, relativamente árida, com pequenas casas e simples trabalhadores do campo, em uma paisagem predominatemente de olivieras e áreas onde pastam cabras e ovelhas. Essa matriz era entrecortada por raras e pequenas vilas ou cidades. Ao pesquisar, descobri que a paisagem vista parece ser uma amostra representativa do Alentejo.

Essa é uma linda e tradicional região portuguesa, mas que atravessa problemas de concentração de terras, crescente processo de desertificação, envelhecimeno populacional e êxodo rural. Apesar de abranger quase um terço da extensão do país, é uma das regiões mais pobres de Portugal e abriga em torno de apenas 5% de sua população. Por outro lado, concentra importantes patrimônios históricos e naturais, além de ser conhecida por sua riqueza cultural e delícias gastronômicas. Évora é uma das suas principais cidades, com imenso potencial turístico.

O centro histórico da cidade é uma vila medieval fortificada, cercada por muralhas muito bem conservadas. Suas ruas são estreitas com calçamento de pedras e as casas são brancas com detalhes amarelos. Igrejas ou capelas são encontradas por todo lado, assim como estudantes, atraídos por sua tradicional Universidade, fundada no século XVI. Por tamanha semelhança, logo de início denominamos essa como a "Tiradentes portuguesa". Cheguei a me questionar se, por uma questão cronológica, não seria mais razoável atribuir à nossa mineiríssima Tiradentes o título de "Évora brasileira". Mas dúvidas nomenclaturais à parte, o relevante é que Dona Déa, fã incondicional das cidades históricas de Minas Gerais, quase caiu para trás ao chegar ali. A emoção foi tamanha, que ela declarou o desejo de largar tudo, abrir um restaurante local que servisse tutu-de-feijão e pão de queijo e, assim, enraizar-se. Apenas a lembrança do Velho Conti, na saudosa Salto de Pirapora, tocou o seu coração e fez com que a razão e o dever de devoção familiar preponderasse em seu juízo.

Apesar de muito turística, Évora possui um clima provinciano e encantou a mim também. Ali estava longe do arrasto dos enormes grupos de turistas estrangeiros em excursão e dos insistentes assédios de ambulantes, comuns no centro de Lisboa. E mais, fiquei feliz em ver uma distribuição etária um pouco mais equilibrada, devido à presença dos universitários. Contudo, dizem que essa cena se modifica com a chegada da alta temporada turística, que coincide com a evasão dos estudantes em período das férias e a invasão de ordas de europeus de cabeça branca, bochechas rosadas e pernas musculosas. Exceto a inconveniência do tempo chuvoso, estávamos definitivamente em um bom período para visitas.

Assim, celebrando o além Tejo, vivenciamos nossa primeira bebedeira em Portugal, acomodadas em uma mesinha de ferro coberta com porções de tremoço, chouriço, paio e pães, além de copos de cervejas e taças de vinho do Porto. Falamos muitas besteiras e soltamos deliciosas gargalhadas, às custas dos pacientes ouvidos do seu Manuel, dono do butiquim, segundo ele sua "passstelaria"! Inevitavelmente, tamanha orgia teve seu custo: limitou a minha tão esperada noitada de boemia às fronteiras dos edredons, às 20h30min, quando a tarde mal crepusculara!



Ouça a canção...





Dez horas de sono me permitiram fazer algo nunca antes experimentado: levantar ainda bem cedo somente pela motivação de fotografar. Sou iniciante na atividade, mas é crescente a descoberta dos prazeres que ela me proporciona. Nesse dia, explorei ruas suavemente iluminadas, ainda sem turistas. Então, em frente à Catedral de Évora, encontrei o destaque da minha expedição: Sr. Manuel Atáfona, pescador aposentado, entre 80 e 120 anos de idade, filho natural de Évora, fumando tranquilamente seu cigarrinho.

Sendo as duas únicas almas vivas no local, nos apresentamos e logo iniciamos uma longa conversação, que planou pelos campos de Évora, do Brasil, do trabalho, das comidas e, claro, do amor. Ele pousou para um retrato e pediu que eu não esquecesse de encaminhar o resultado ao seu endereço. Enquanto nos despedíamos, aproveitei para arriscar meus, em desenvolvimento, dons fotográficos e, como uma batedora de carteiras, habilidade que a atividade requer, saquei uma foto sorrateiramente, sem mirar no visor, com a máquina na altura do meu peito, apontada para o meu objeto. A naturalidade de seus movimentos me diziam que aquela era a cena perfeita, o resto ficaria por conta da técnica e tecnologia.

Infelizmente, o segundo desses três pilares, ainda débil, foi o responsável por minha frustração. A irrelevante cena de fundo foi, irracionalmente e insensivelmente, escolhida pela máquina e, de meu destaque, só restou a silhueta. Ahh, como eu queria poder voltar no tempo e ativar o flash! Apenas um punhado de luz que preenchesse a pronfundidade das marcas do tempo daquele precioso semblante!

Ao menos tenho a lembrança desse instante, em uma imagem composta de sombras. O meu conforto é saber que, inevitavelmente, nessa jornada terão outros instantes, que virão acompanhados de uma melhor habilidade fotográfica, em futuras manhãs recheadas de encontros inusitados.




Para uma visualização melhor das fotos: Flickr

13 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei muito feliz com a criação desse blog...Parabéns pela iniciativa!
Vou te acompanhando viu linda
Super beijo
jags

ram horizonte disse...

Esse "Ai como eu gostaria de..." na fotografia vai ser eterno, não se preocupe! Bons cliques para você e estaremos acompanhando a sua evolução nessa arte.
Bjs

Raquel disse...

Flá, adorei as notícias doces e poéticas... Bem sua cara!!! Mantenha o ritmo!
PS: ei qdo é q vc estará mesmo pela França?

Anônimo disse...

Flavinha cadê a fotinho do gajo de Évora? Fiquei curiosa, menina!
Ai, que viagem linda!. Amei seus textos, viu?

beijos, beijos, beijos

Anônimo disse...

Queres casar comigo, dona moça cigarrita?

Anônimo disse...

Muito legais as fotos, Flávia. Seus textos também estão ótimos. Felicidades pra ti, sempre.

Dea Conti disse...

Assim como o Flaviano, estou amando suas fotos, principalmente aquelas nas quais você focaliza as pessoas de Portugal (os adoráveis velhinhos, com suas perninhas curtas - a maioria!).

Quanto às histórias, só tenho a reclamar a demora entre uma e outra - embora compreenda perfeitamente o porquê dela.

beijocas, filhota querida

Andrei L Roos disse...

Flavinha
que legal seu blog, gostei muito dos seus textos e parabens pelas fotos.
Iremos te acompanhar sempre.
Beijos e boas viagens pelas terras portuguesas!!

Unknown disse...

Amiga,
adorei seus textos, as fotos são lindas, sensíveis, reais...isso nos faz viajar com você.
Grande beijo

Lau_roots disse...

Esse sr. Manuel é cara do sr. Wilson do Pimentinha!!!

Prem Madhuri disse...

Se a foto tivesse saído como esperado, ficaríamos sem as lindas palavras que anunciaram, lamentaram e imortaliraram a delicadeza do momento. Louvor ao amor por esse momento em sua perfeição. As coisas acontecem como devem ser. A gente aceita e faz poesia da vida, então!
Amo-te, amada.

Ana Conti disse...

Fla, até o fim do ano vc ser´qa a maelhor das fotógrafas.
Aposto todas minhas fichas nisto.
bjoswrbeplp

skycaraparaquedismo disse...

Desse jeito vais voltar com um best seller!!! hehehe
Quanto ao mal-sucedido furto de imagem (hehehe), é uma questão de tempo, vais ficar mestre logo logo!!!
Bjao Grandão!
Andreza e Marcus